Antes de publicar esta entrevista, é importante fazer um esclarecimento. Eu entrevistei a Melanie Hickman na última vez quando ela esteve em Porto Alegre, em maio passado. Aliás, ela me concedeu a entrevista de bom grado e com a gentileza característica da pessoa dela. No entanto, eu gravei a conversa em duas fitas diferentes. A primeira parte da entrevista já estava pronta, só que a segunda parte estava em outra fita que eu não sabia onde eu tinha guardado. A entrevista com a Melanie era para ter sido publicada em junho, mas eu não poderia colocar no ar a matéria incompleta. Ao mesmo tempo, afogado em compromissos pessoais e profissionais, acabei deixando um pouco de lado as entrevistas. Retomei com a do Damazo, aproveitando sua estada em Porto Alegre. Logo em seguida, encontrei a segunda fita com o restante da conversa com a Melanie. Portanto, estou publicando agora, com um pequeno atraso, porém, antes tarde do que nunca.
Aproveito para pedir desculpas à Melanie pelo transtorno e, ao mesmo tempo, agradecer a ela pela entrevista e pela elegância com que se manteve. Ela poderia ter feito pressão, manifestado indignação (e com razão), e ter bombardeado o fórum com posts raivosos e entupido minha caixa postal com mensagens privadas obscenas, mas ela permaneceu com uma atitude fleumática de lady. Era importante eu fazer esta mea-culpa pública.
Confiram um pouco da trajetória desta supertransex. Tomara que tenha valido a pena a espera.
Fórum T-Gatas RS: Olá, Melanie. Onde e quando tu nasceste?
Melanie Hickman: Eu tenho 25 anos e nasci em São Jerônimo, mas logo em seguida minha família foi morar em Guaíba.
Fórum: Você tem mais irmãos?
Melanie: Tenho uma irmã mais velha. Depois vim eu, mais um irmão e, por último, uma irmã caçula.
Fórum: Conta um pouco como foi a tua infância?
Melanie: Foi uma infância ótima. Foi normal, como a maioria das crianças. Eu fui criada com toda liberdade.
Fórum: Você estudou até em que série?
Melanie: Estudei até o ensino médio, completo, o antigo 2º grau. E parei porque eu não queria mais continuar, matava aula, faltava direto. Não tinha mais vontade, só queria fazer outras coisas. Parei de estudar aos 19 anos. Nessa época eu desenhava croquis de moda. Eu tenho o dom de desenhar, eu desenho muito bem. Eu poderia até ter sido estilista, mas depois parei.
Fórum: E em que outras atividades você trabalhou depois que parou de estudar?
Melanie: Depois do colégio eu trabalhei em um supermercado. Eu era fiscal de caixa, daquelas que usavam patins. Foram 5 meses de patinação em supermercado.
Fórum: Quando começou a manifestar a tua sexualidade?
Melanie: Durante a puberdade, como com qualquer pessoa. É uma época em que um heterossexual começa a manifestar seu desejo por uma pessoa do sexo oposto, e um homossexual passa a ter desejo por pessoas do mesmo sexo. No momento em que eu me aceitei e vi que era assim, a coisa deslanchou.
Fórum: Você chegou a namorar meninas?
Melanie: Sim, nos tempos de escola. Era aquela coisa de ficar, tipo frescura de colégio, mas eu já sabia que eu não me interessava por meninas. Aliás, muitas meninas queriam namorar comigo na escola. Acho que era porque lá pelos 14 anos eu chamava atenção por causa da minha altura, que é de 1,79 m.
Fórum: E como foi a tua primeira vez?
Melanie: Eu conheci um cara bem mais velho do que eu. Eu tinha 13, 14 anos. Foi com alguém que eu não conhecia. Essa pessoa me viu, me pediu o telefone, e aí rolou.
Fórum: Mas tu ainda não tinhas a aparência feminina?
Melanie: Não. Isso foi na minha fase de gay.
Fórum: E quando começou a tua transformação?
Melanie: Foi de 2003 para 2004. Eu já estava morando aqui em POA, com três amigos gays. Um deles já usava roupas femininas, e a gente começou a se vestir desse jeito para sair de noite, coisa de brincadeira. Logo em seguida, a gente começou a ir para a rua e, também por brincadeira, começou a rolar programa. Daí a pouco começou a uma querer chamar mais atenção, aquela coisa de concorrência entre as amigas. Em seguida, eu saí do trabalho no supermercado para virar transex. E nos separamos, cada uma foi morar em um lugar. E foi assim que eu me decidi. Coloquei silicone e aí a coisa foi irreversível. Quem entra nesse meio da prostituição dificilmente consegue sair. É que a gente acaba gostando porque o dinheiro vem muito fácil, tem a coisa da aventura. No início, tudo é uma festa, ou fervo, como a gente diz. Depois a gente passa a fazer um planejamento porque acabou escolhendo esta vida.
Fórum: Onde tu começaste a fazer os primeiros programas?
Melanie: Eu comecei na (avenida) Assis Brasil, atrás do Bourbon Shopping. Tinha uma pista ali, onde eu e algumas outras travestis ficávamos. Depois, eu fui para a (avenida) Farrapos. Em meados de 2004, depois do corpo estar definido por causa dos hormônios, eu apliquei silicone.
Fórum: E como foi a reação da tua família quando tu se tornaste travesti?
Melanie: Quando eu me tornei travesti eu arranjei um namorado e ele começou a freqüentar a minha casa. A minha mãe começou a notar coisas, os meus familiares perceberam que eu estava com um quadril enorme e com o bumbum grande. E eu deixei acontecer naturalmente. E esse namorado começou a me apoiar. Tanto ele quanto eu, freqüentávamos as respectivas famílias. Eu estive casada com esse namorado. A minha família sempre me apóia, não tenho nenhum problema de rejeição.
Fórum: E como foi a primeira vez quando você passou a trabalhar na rua?
Melanie: A primeira vez eu fiquei com um pouco de nojo por estar na rua me "vendendo". Mas a gente ria muito, eu e as minhas amigas, contando o que uma fez, o que a outra não fez. Era uma grande brincadeira, como eu falei antes. Depois, a gente começou a querer melhorar, o que gerou uma concorrência entre nós e começamos a levar para o lado profissional. Daí eu comecei a me puxar pro lado da beleza. E estar na Farrapos era como se eu estivesse em uma vitrine, vendo os carros passando e o pessoal me elogiando. Eu gosto disso, porque é meu lado exibicionista. Todas gostam, aliás. É como se fosse Hollywood e nós fossemos as artistas a serem admiradas.
Fórum: Os clientes te procuram mais para ser ativa ou passiva?
Melanie: Isso é muito relativo. Existem várias fantasias. Geralmente, cerca de 60% dos meus programas eu faço ativa. O que manda, nesses casos, é o tesão.
Fórum: Qual foi o pedido mais estranho, algo que um cliente te pediu e que te surpreendeu?
Melanie: Volta e meia rola algum pedido estranho. Acontece de a gente encontrar clientes drogados, clientes que querem usar roupas femininas, etc. O mais estranho, o pedido mais nojento foi que teve um cara que me pediu que desse uma escarrada e cuspisse na cara dele. Mas o mais complicado mesmo é atender um cliente drogado.
Fórum: E tu já passaste por alguma situação de perigo, ou que pudesse sair fora de controle por causa de um cliente sob o efeito de drogas?
Melanie: Já aconteceu de um cliente, por ser policial ou não, que já me mostrou um revólver. Mas eu não me senti intimidada por causa disso. O brabo é quando um cliente drogado não quer ir embora. É difícil fazer ele compreender que o programa acabou. Tem vezes que o dinheiro do cara já acabou e ele fica ali. Uma vez eu tive que pegar as roupas de um cliente e jogar na rua para ele entender que a vez dele já tinha acabado.
Fórum: E a tua inspiração pela modelo e apresentadora de tevê Ana Hickman? Foi proposital, de querer ser que nem ela, ou tu notaste a semelhança natural entre vocês duas e tu resolveste "explorar" isso? Como é que começou?
Melanie: Eu usava um aplique de cabelo e aí, primeiro as amigas começaram a comentar "olha a Ana Hickman!", depois, alguns clientes passaram a me chamar de "Aninha". Era só Melanie, eu não tinha um sobrenome. E todo mundo me chamava de "Hickman", tendo em vista a semelhança com a apresentadora. Inclusive, quando saía alguma revista com uma foto dela na capa, começavam as brincadeiras. E eu acho ela linda, é óbvio. E eu adotei esse sobrenome até por marketing. Pena que eu ainda não encontrei a Ana Hickman. Seria interessante, porque eu iria pedir para que a gente fizesse uma foto juntas. E eu também sou fã da Gisele Bündchen.
Fórum: E a partir de uma foto, todo mundo passou a te chamar também de "sereia". Foi uma brincadeira? Como isso começou?
Melanie: Desde pequena eu sempre gostei de sereias, de história do tipo "o encanto das sereias". E a partir desta idéia que surgiu o tema do meu blog.
Fórum: Como foi a experiência de morar e trabalhar na Europa? Tu moras atualmente em Milão, na Itália. Era aquilo que tu imaginavas, trabalhar fora do Brasil? Tu tiveste dificuldade ou levaste numa boa?
Melanie: Eu não tinha nenhuma expectativa de ir para a Europa e voltar rica ou milionária, como era antigamente. Eu já fui sabendo como seria, as amigas me falaram bastante. Eu fui bastante decidida. Eu queria ter essa experiência. Não tive nenhum problema. Todo mundo sabe que hoje a Europa, a Itália, no caso, não é mais aquela mina de ouro que antigamente foi.
Fórum: Melanie, quais são teus próximos objetivos?
Melanie: Eu ainda não penso muito em termos de futuro. Eu vou deixando as coisas acontecerem. Acho que tem que continuar trabalhando enquanto dá. Eu penso que ainda tenho uma longa uma carreira pela frente. Tenho amigas que já poderiam ter parado e ainda estão trabalhando. É porque a gente gosta, né? Quem sabe, no futuro, eu tenha algum estabelecimento comercial em sociedade com a minha família.
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Entrevista publicada em setembro de 2006.
Créditos: http://www.tgatasrs.com.br/forum/
2 comentários:
Adorei.
Adorei.
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